Biopesticidas – como acelerar o acesso dos agricultores à Inovação?

Atualidade
Agricultor no campo a observar as culturas

A Comissão Europeia estabeleceu como meta reduzir o uso e o risco dos pesticidas em 50%, até 2030, no âmbito da Estratégia do Prado ao Prato, e comprometeu-se a facilitar a colocação no mercado de produtos que contenham substâncias ativas biológicas.

Os biopesticidas derivam da natureza e subdividem-se em quatro grandes grupos: semioquímicos (feromonas), microrganismos (vírus, fungos e bactérias benéficas), bioquímicos (botânicos e minerais) e macrorganismos (insetos predadores, parasitóides e nemátodos). Tratam-se de ferramentas importantes numa estratégia de Proteção Integrada das culturas, quando conjugados com fitofármacos convencionais e modelos de previsão de pragas e doenças para apoio à decisão dos agricultores, potenciando uma agricultura ambientalmente sustentável e a produção de alimentos seguros para os consumidores.

As substâncias biológicas ativas são tipicamente muito específicas para o seu alvo, ou seja, atuam apenas num espectro restrito de pragas ou doenças, mas permitem um controlo mais dirigido e preciso dos insetos e fungos patogénicos. É por isso necessário que os agricultores tenham acesso a um conjunto mais alargado de biopesticidas para cobrir mais finalidades.

Nos últimos anos, tem sido notório o investimento da indústria de proteção das plantas na investigação de microrganismos, semioquímicos e outras tecnologias como o RNAi (mecanismo que permite induzir o silenciamento de genes em pragas agrícolas).

O objetivo da indústria é permitir o acesso a tecnologias inovadoras que sejam seguras para as pessoas e para o ambiente e eficazes no controlo de pragas e doenças em contexto de alterações climáticas. Destes projetos de investigação têm resultado substâncias ativas biológicas muito promissoras e que são sérias candidatas a passar à fase de desenvolvimento.

Felisbela Torres de Campos, Head of Regulatory & Business Sustainability Portugal
Felisbela Torres de Campos, Head of Regulatory & Business Sustainability Portugal, Syngenta Crop Protection Lda.

A indústria europeia apoia a transição para um sistema agroalimentar mais sustentável e, por essa razão, comprometeu-se a investir 4 mil milhões de euros em desenvolvimento de biopesticidas, até 2030.

Porém, o ritmo de entrada dos biopesticas no mercado europeu e o acesso dos agricultores a estas novas tecnologias estão aquém do que seria expectável, nomeadamente, tendo em conta as metas estabelecidas na Estratégia do Prado ao Prato.

Reportando a dados de maio de 2021, divulgados pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária nas IV Jornadas Anipla de Homologação de Produtos Fitofarmacêuticos, constata-se que das 464 substâncias ativas aprovadas na UE (face a 908 s.a. não aprovadas), apenas 28% são biopesticidas. No caso de Portugal, das307 substâncias ativas homologadas e 1.488 produtos fitofarmacêuticos autorizados, apenas 10% são biopesticidas e/ou produtos com substâncias ativas de baixo risco.

Afinal o que está a impedir o acesso dos agricultores à inovação?

 

A barreira da legislação europeia

Na União Europeia, os biopesticidas estão sujeitos aos mesmos critérios de avaliação e às mesmas regras de colocação no mercado de substâncias ativas do que os produtos fitofarmacêuticos convencionais (Regulamento CE Nº 1107/2009). Porém, esta legislação não foi criada com o intuito de estimular a inovação em biopesticidas e hoje em dia constitui uma barreira à entrada de novas soluções biológicas no mercado europeu.

O processo de avaliação e aprovação de novas substâncias ativas é moroso e exige complexos dossiers. Por outro lado, o custo de desenvolvimento e colocação no mercado europeu de uma substância ativa biológica é elevado e o retorno financeiro é significativamente menor, comparativamente ao de uma substância ativa química de síntese, devido ao espectro de ação mais restrito e dirigido ao alvo dos biopesticidas, que muitas vezes têm menor nível de eficácia.

Esta conjugação de fatores tem desencorajado a indústria de investir no desenvolvimento de tecnologias promissoras, limitando o acesso dos agricultores europeus a biopesticidas de nova geração. Por exemplo, no caso dos microrganismos (vírus, fungos e bactérias benéficos) as autorizações no mercado europeu têm sido limitadas, nos últimos anos, apenas a estirpes das mesmas espécies, com reduzido valor acrescentado para os agricultores.

 

Mudança de paradigma é urgente

O acesso dos agricultores europeus a biopesticidas de nova geração exige uma mudança de paradigma a três níveis: na legislação europeia, nos critérios de avaliação das substâncias ativas biológicas e na especialização do conhecimento das entidades que avaliam e aprovam estes produtos.

Os biopesticidas são considerados substâncias de “baixo risco”, uma vez que não representam risco para a saúde humana e têm um impacto mínimo no ambiente, pelo que não faz sentido que estejam sujeitos às mesmas regras de extrema exigência e a idênticos tramites legais morosos de aprovação do que os produtos fitofarmacêuticos convencionais.

É necessário e urgente um novo quadro regulamentar simplificado, mais ágil, que garanta maior previsibilidade a quem investe na investigação e desenvolvimento de novas substâncias ativas biológicas. Um período máximo de dois anos, entre a submissão e a aprovação da s.a. ao nível dos Estados-membros, é razoável e permitirá acelerar a entrada de novos biopesticidas no mercado, necessários para alcançar as ambiciosas metas da Estratégia do Prado ao Prato.

Os dossiers de submissão das substâncias ativas biológicas devem ser simplificados e os requisitos de dados e critérios de avaliação adaptados ao tipo de produto em causa, ponderando-se, contudo, a exposição ao risco e salvaguardando a segurança das pessoas e do meio ambiente, que são de vital importância.

Por outro lado, a especificidade dos biopesticidas exige que a sua avaliação e aprovação sejam realizadas por pessoas com formação adequada, em Microbiologia e outras ciências afins. A Comissão Europeia, as entidades nacionais de avaliação (ex: DGAV) e a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) devem investir em recursos humanos especializados, por forma a acelerar a avaliação dos dossiers.

O novo quadro regulamentar deve permitir a entrada no mercado de novas tecnologias promissoras como o RNA de interferência (RNAi), péptidos ou outras, que complementem as soluções biológicas atuais.

A legislação europeia deve incentivar a investigação e desenvolvimento de novos biopesticidas, salvaguardando a propriedade intelectual das empresas, sejam elas multinacionais ou PMEs. A questão coloca-se porque o investimento necessário para criar um novo produto é elevado e seu o retorno limitado, razão pela qual um quadro legal favorável será decisivo para atrair novo investimento privado. A legislação europeia dos “medicamentos órfãos” é um exemplo que tem sido aplicado com sucesso noutro setor de atividade, permitindo estimular o investimento privado, e pode ser adaptada à área dos biopesticidas.

A Syngenta, como empresa líder em investigação e desenvolvimento de soluções para proteção das plantas e sementes, está a apostar no reforço do seu portfólio de soluções biológicas (biocontrolo e bioestimulantes). No curto prazo, traremos para o mercado novos biopesticidas através de acordos com empresas terceiras, e no médio prazo, através de investigação própria. O nosso trabalho de investigação é frequentemente levado a cabo em colaboração com outras empresas e universidades.

Em Portugal, orgulhamo-nos de ser sócio fundador do Laboratório Colaborativo InnovPlantProtect, sediado em Elvas, que desenvolve soluções inspiradas na Natureza para controlo de pragas e doenças. É um projeto recente, mas tem imenso potencial para colocar Portugal na vanguarda da inovação em biopesticidas.

Acelerar o acesso dos agricultores à inovação depende do esforço conjunto de iniciativa privada, reguladores públicos e responsáveis políticos para encontrar soluções ágeis que permitam o acesso dos cidadãos europeus a mais e melhores alimentos em contexto de alterações climáticas.

Artigo originalmente publicado na Revista do Agricultor Nº278, janeiro-fevereiro de 2022